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O turismo dá as costas para a revolução da Tunísia

O terror depois do atentado islâmico no museu do Bardo dá um golpe mortal na economia

Francisco Peregil
Uma família contempla, na terça-feira no Museu Nacional do Bardo, uma obra baleada durante o atentado islâmico de março passado.
Uma família contempla, na terça-feira no Museu Nacional do Bardo, uma obra baleada durante o atentado islâmico de março passado.ULY MARTIN

Não há nada mais didático do que visitar o Museu do Bardo, em Túnis, para tomar consciência de quão efêmeras podem ser as bem-sucedidas campanhas de solidariedade internacionais divulgadas nas redes sociais. E quão frágeis acabam sendo as tags do Twitter do tipo #EuSouTunísia. Em 18 de março, quando vários jihadistas acabaram com a vida de 21 pessoas no museu, milhares de internautas falavam da importância de viajar ao país para combater o efeito do atentado. Três meses depois, os buracos deixados pelas balas nas paredes, janelas, tetos e vidros blindados das vitrines continuam lá. E vão continuar por muito tempo, porque o Estado quer que as pessoas não se esqueçam da brutalidade do crime. Mas as massas de turistas desapareceram.

Na terça-feira era possível vagar praticamente sozinho pelos 9.000 metros quadrados desse edifício de dois andares que conta com alguns dos mosaicos romanos mais famosos do mundo. De vez em quando, algum turista passava por uma das 34 salas. Dois policiais, sem ter a quem vigiar, percorriam o museu apreciando cada obra como se fossem turistas.

No dia seguinte, os vendedores da medina não tinham opção além de relembrar aquela quarta-feira anterior ao atentado, quando milhares de turistas chegaram de transatlântico. Desde março, a Tunísia foi retirada do circuito dos grandes navios e acabou a festa desse grupo que chegou na quarta-feira. Os jihadistas conseguiram seu objetivo de empobrecer ainda mais o país, ao atingir um setor que envolve 7% do Produto Interno Bruto. De janeiro a junho, o número de turistas estrangeiros caiu 21,9% em relação ao ano anterior. E 28,3% em relação a 2010, antes que começasse a revolução. Os europeus, que são o principal mercado da Tunísia, reduziram sua presença em 45% nos últimos quatro anos, segundo dados do Ministério do Turismo informados na terça-feira. Para este ano, a sorte está lançada. A esperança está posta sobre 2016.

Na manhã de terça-feira no Bardo, apenas setenta turistas apareceram. O casal de catalães Mireia e Toni chegou por conta própria. “No avião da Vueling que nos trouxe de Barcelona havia apenas 30 passageiros, a maioria tunisianos”, comenta Mireia. Ela visitou Túnis seis vezes desde 1996 e seu companheiro, três. “Os tunisianos estão passando por maus bocados e é uma pena, porque este é um país muito interessante. Aprovou o divórcio antes da Espanha”, comenta Mireia. “Agora há milhares de guias turísticos desempregados. Na cidade de Hammanet, um dos principais locais de praia, encontramos muitos hotéis fechados. Estivemos nas ruínas romanas de Útica, que são incríveis, e éramos apenas três. E nunca vimos o museu do Bardo, que tem os melhores mosaicos romanos do mundo, tão vazio. As pessoas não se animam a vir, apesar de as medidas de segurança terem sido reforçadas. Em um Carrefour Express vistoriaram nosso carro por baixo com espelho. E vimos sacos de terra em alguns povoados.”

Uma das salas do Museu Nacional do Bardo, nesta terça-feira.
Uma das salas do Museu Nacional do Bardo, nesta terça-feira.ULY MARTIN (EL PAÍS)

O processo revolucionário pelo qual a Tunísia passa desde 2011 pode ficar registrado em muitos livros de história, por seu valor intrínseco e sua possível influência em outros países muçulmanos. Mas turismo e revolução não costumam andar juntos. A transição democrática frequentemente se volta contra os próprios tunisianos. O serviço de coleta de lixo depende das prefeituras. Mas ainda não houve eleições municipais e os prefeitos são escolhidos pelo Governo. Com isso, o lixo reina em muitos locais. E a isso se soma aos estragos das greves selvagens. A toda hora há algum protesto de surpresa de professores, enfermeiros, funcionários do Parlamento, da indústria de fosfato, vital para o país, ou de funcionários da empresa Tunisair.

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“Que bicho mordeu o povo tunisiano?”, perguntava-se na terça-feira o colunista Hassine Bouazra no jornal Le Temps. Bouazra indagava como é possível que o mesmo povo que surpreendeu o mundo com sua maturidade cívica na segunda-feira, 16 de janeiro de 2011, depois de expulsar o ditador, agora se comporte com tanta inconsciência. O jornalista recordava que naquela segunda-feira, 48 horas depois de Ben Ali ter sido deposto, os cidadãos foram trabalhar bem cedo pela manhã. “Como é possível que esse mesmo povo, quatro anos depois, demonstre uma imagem tão pouco gloriosa de si mesmo?”, perguntava-se. “Jamais nossas cidades foram tão sujas, nem a indisciplina na administração foi tão disseminada e tampouco as boas normas de convivência foram tão pouco respeitadas.”

Para alguns diplomatas europeus, o bicho que mordeu os tunisianos é muito fácil de diagnosticar. Chama-se liberdade. Assim, os protestos e as greves selvagens não são mais do que o efeito lógico e passageiro de tantos anos de repressão e bocas fechadas.

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