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Delcídio a Cerveró: fuga pelo Paraguai e pensão de 50.000 pelo seu silêncio

Pedido de prisão feito por Janot detalha como foi a reunião gravada pelo filho do ex-diretor

O plano de fuga proposto pelo senador Delcídio do Amaral para o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, teria um custo de 4 milhões de reais e envolveria uma mesada de 50.000 reais, tudo pago pelo banqueiro André Esteves, do BTG Pactual. A rota “mais indicada” para sair do país seria via Paraguai e ele chegaria até a Espanha, o destino final, a bordo de uma aeronave privada modelo Falcon 50, que “não para no meio [do caminho]” para abastecer.

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Os detalhes da conversa entre Amaral, o filho de Cerveró, Bernardo Cerveró, o chefe de gabinete do senador, Diogo Ferreira, e o advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, estão no pedido de prisão de Amaral feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em 20 de novembro deste ano. O documento corria em segredo de Justiça até a manhã desta quarta, quando a prisão de Amaral, Esteves, Ferreira e do advogado Ribeiro foi efetivada. O defensor de Cerveró, segundo o relato de Janot, "acabou cooptado pelo congressista” e começou a “proteger os interesses do senador”.

De acordo com o procurador, Amaral, líder do Governo no Senado, se reuniu no dia 4 de novembro deste ano em uma suíte do Hotel Royal Tulip, em Brasília, com o restante do grupo. Bernardo, filho de Cerveró, gravou o encontro e entregou a gravação ao Ministério Público Federal. Na ocasião, Ribeiro ouviu do senador a promessa de que pagaria honorários no valor de 4 milhões de reais para Cerveró, além de uma mesada para a família no valor de 50.000 reais.

Janot afirma que na conversa o senador relatou sua atuação perante Ministros do Supremo Tribunal Federal para que Cerveró fosse colocado em liberdade mediante um habeas corpus. Ele afirmou a Bernardo ter conversado com os ministros Teori Zavascki, relator no Supremo dos processos referentes à Lava Jato, e com o ministro Dias Toffoli. Ele revelou, ainda, a intenção de conversar com o ministro Luiz Edson Fachin e pedir a intermediação do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do vice-presidente Michel Temer junto ao ministro Gilmar Mendes. O envolvimento de nomes do Supremo no plano teria irritado o colegiado, o que acelerou a decisão sobre a prisão dele, na avaliação da cúpula do PT. Zavascki decidiu, após uma reunião informal com o colegiado, acatar o pedido de prisão feito por Janot. Em uma reunião extraordinária, o órgão decidiu no final da manhã desta quarta referendar a decisão do relator.

Leia os trechos da gravação expostos por Janot:

DELCÍDIO: Agora, agora, Edson e Bernardo, é eu acho que nós temos que centrar fogo no STF agora. Eu conversei com o Teori, conversei com o Toffoli, pedi pro Toffoli conversar com o Gilmar, o Michel [Temer] conversou com o Gilmar também, porque o Michel tá muito preocupado com o [Jorge] Zelada, e eu vou conversar com o Gilmar também.

EDSON: Tá.

DELCÍDIO: Por que, o Gilmar ele oscila muito, uma hora ele tá bem, outra hora ele tá ruim e eu sou um dos poucos caras...

EDSON: Quem seria a melhor pessoa pra falar com ele, Renan, ou Sarney?

DELCÍDIO: Quem?

EDSON: Falar com o Gilmar...

DELCÍDIO: Com o Gilmar, não, eu acho que o Renan conversaria bem com ele.

DIOGO: Hoje tem reunião de líderes.

DELCÍDIO: Eu falo com o Renan hoje.

EDSON: Tá bom.

DELCÍDIO: Hoje eu falo, porque acho que o foco é o seguinte, tirar [o Cerveró da prisão], agora a hora que ele sair tem que ir embora mesmo.

O segundo tópico tratado na conversa, de acordo com o relato do procurador-geral, versava sobre a fuga de Cerveró. Na avaliação de Amaral, seria possível implementá-lo mesmo com a obrigação legal de que o ex-diretor da Petrobras, caso solto, tivesse que usar um dispositivo de monitoramento eletrônico, como uma tornozeleira eletrônica, por exemplo. Janot afirma que o senador “interveio ativamente nesse segmento da conversa” e ofereceu sugestões de rotas e meios de fuga. “Ele opina quanto a ser o Paraguai a melhor rota e quanto à necessidade de que, se a fuga se der por meio de aeronave de táxi aéreo, o modelo seja um Falcon 50, que teria autonomia para chegar à Espanha sem reabastecimento”, destaca o pedido de prisão.

Leia os trechos da gravação:

DELCÍDIO: Hoje eu falo, porque acho que o foco é o seguinte, tirar; agora a hora que ele sair tem que ir embora mesmo.

BERNARDO: É, eu já até pensei, a gente tava pensando em ir pela Venezuela, mas acho que... deve se sair, sai com tornozeleira, tem que tirar a tornozeleira e entrar, acho que o melhor jeito seria um barco... É, mais porque aí chega na Espanha, pelo menos você não passa por imigração na Espanha. De barco, de barco você deve ter como chegar...

EDSON: Cara é muito longe.

DELCÍDIO: Pois é, mas a ideia é sair de onde, de lá?

BERNARDO: Não, da Venezuela, ou da...

DELCÍDIO: Não, mas a saída pra ele melhor, é a saída pelo Paraguai...

BERNARDO: Mercosul...

EDSON: Mercosul, porque o pessoal tem convenções no Mercosul, a informação é muito rápida.

DELCÍDIO: É?

EDSON: É.

EDSON: (...) seria melhor, porque ele tá no Paraná, atravessa o Paraguai...

DELCÍDIO: A fronteira seca...

EDSON: (...) Entendeu, e vai embora, eu já levei muita gente por ali, mas tem convênio, quando você sai com o passaporte, mesmo...

DELCÍDIO: Eles trocam...

DELCÍDIO: Mas ele tando com tornozeleira como é que ele deslocaria?

BERNARDO: Não, aí tem que tirar a tornozeleira, vai apitar e já tira na hora que tiver, ou a gente conseguir alguém que...

EDSON: Isto a gente vai ter que examinar.

EDSON: Não sei o custo disso, vou apurar tudo isso eu tenho amigos que tem empresa de táxi aéreo, de aviação, entendeu, ver com eles qual o custo disto, a gente bota no avião e vai embora.

DIOGO: Mas estes de pequeno porte eles cruzam?

BERNARDO: Deve parar na [ilha da] Madeira, alguma coisa assim.

EDSON: Depende, se você pegar um...

DELCÍDIO: Não, depende do avião.

EDSON: Citation

DELCÍDIO: Não, não Citation tem que parar no meio... tem que pegar um Falcon 50, alguma coisa assim...

DELCÍDIO: Aí vai direto, vai embora...

EDSON: Se for direto ótimo.

DELCÍDIO: Desce na Espanha.

Em um terceiro momento da conversa, o senador revelou que Esteves, do BTG Pactual, seria o responsável pelo aporte de recursos financeiros para a família de Cerveró após a fuga, “em troca de ver seu nome preservado no âmbito de eventual acordo de colaboração premiada ou de optar por não fazer o acordo”. Parte dos recursos seria dissimulada por meio de honorários advocatícios entre o banqueiro ou uma pessoa jurídica por ele controlada e o advogado Ribeiro. É neste momento também que ele revela que Esteves tem uma cópia de minuta do acordo de delação premiada entre Cerveró e o Ministério Público, que viria a ser assinada, oficialmente, no dia 18 de novembro, ou seja, 14 dias depois da reunião no hotel em Brasília.

Leia trechos da gravação:

EDSON: Só pra colocar. O que eu combinei com o Nestor [é] que ele negaria tudo com relação a você [Amaral] e tudo com relação ao [neste trecho, não fica claro a que ou quem ele se refere]. Tudo. Não é isso?

BERNARDO: Sim.

EDSON: Tá acertado isso. Então não vai ter. Não tendo delação, ficaria acertado isso. Não tendo delação. Tá? E se houvesse delação, ele também excluiria.

DELCÍDIO: É isso.

Na delação, Cerveró afirma que o senador praticou crime de corrupção passiva durante a aquisição de sondas pela Petrobras e durante a aquisição, pela petroleira brasileira, da Refinaria de Pasadena, nos EUA. Também afirma que André Esteves, por meio do BTG Pactual, fez pagamentos ao senador Fernando Collor para obter vantagens em um contrato de embandeiramento de 120 postos de combustíveis em São Paulo que pertenciam ao BTG em conjunto com um grupo empresarial denominado Santiago.

“Essa ordem de fatos deixa transparecer, portanto, a atuação concreta e intensa do Senador Delcídio Amaral e do banqueiro André Esteves para evitar a celebração de acordo de colaboração premiada entre o Ministério Público Federal e Nestor Cerveró ou, quando menos, evitar que, se celebrado o acordo, fossem delatados. Ocorre que ambos acabam por ser, de fato, delatados no acordo”, destacou Janot em seu documento. Segundo ele, o fato de tentar interceder junto a ministros, senador e vice-presidente, configura “prática do crime de exploração de prestígio” e que tanto Amaral, como o banqueiro Esteves e o advogado Ribeiro estaria em estado de “flagrância”, por “manejarem meios para embaraçar a investigação”. De acordo com a Constituição brasileira, parlamentares só podem ser presos em caso de flagrante.

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